Sem Ronaldo, funk "sai de moda" na concentração da seleção

O funk carioca e o hip hop não fazem mais parte da trilha sonora da Granja Comary. Com o atacante Ronaldo longe de Teresópolis, o ritmo que anima os atletas durante os treinos na academia e no vestiário é mais tradicional. O pagode toca o tempo todo na concentração.

"Um sambinha sempre anima ainda mais o ambiente. O clima fica mais alegre. Adoro", disse o carioca Vágner Love, um dos atletas que comandam o som na seleção.
Sucessos de Jorge Aragão e Fundo de Quintal são as músicas preferidas dos jogadores na Granja nos últimos dias. Ronaldinho e Robinho são os outros atletas que cuidam da nova trilha sonora.

O trio é fã confesso de pagodeiros. No mês passado, eles fecharam uma boate logo após a goleada contra o Equador, por 5 a 0, no Maracanã, para comemorar a vitória em ritmo de samba.
A festa contou com a participação de vários pagodeiros e virou a noite. Integrantes de Exaltasamba, Fundo de Quintal, Kiloucura e Os Morenos participaram da celebração. O sambista Dudu Nobre também cantou.

O cantor pop Latino esteve nos festejos, entretanto não subiu ao palco. A celebração só terminou por volta das 10h do dia seguinte. Os atletas pagaram R$ 20 mil para fechar a boate The Cat Walk, que tinha como um de seus sócios o empresário iraniano Jafar Hajebrahim. Ele foi preso pela Interpol e havia sido condenado na Inglaterra a 14 anos de prisão, por tráfico de cocaína.
A mudança na trilha sonora da seleção se deve à longa ausência de Ronaldo no grupo. Até o Mundial de 2006, o hip hop e o funk dominavam as caixas de som da Granja Comary. Chamado de "presidente" pelos mais jovens, o jogador do Milan era o "DJ oficial" em Teresópolis.

Ele sempre se exercitava ouvindo estes ritmos e gostava de dançar nos intervalos. O veterano atacante chegava até a ensinar passos de danças aos companheiros.

Dançando Funk Letra Cidade de Deus

O livro "Lendo Música", da Publifolha, traz diversos ensaios que interpretam e comentam canções populares brasileiras, abordando desde o samba-exaltação na era do getulismo ("Aquarela do Brasil", de Ary Barroso) até às novas misturas eletroacústicas de Marcelo D2 ("Em Busca da Batida Perfeita").

Um dos ensaios publicados é sobre o sucesso do funk carioca "Cidade de Deus", de Cidinho e Doca. O texto questiona se os leitores já teriam ouvido esta música e ressalta que esta canção é justamente destinada a quem nunca ouviu este estilo musical ou pôs os pés em uma favela.

O ensaio é de autoria do antropólogo Hermano Vianna, autor de "O Mundo Funk Carioca" (Jorge Zahar, 1988) e "O Mistério do Samba" (Jorge Zahar/EditoraUFRJ, 1995). Vianna também é redator-final do programa Central da Periferia (TV Globo) e coordenador do site Overmundo.

O autor ainda traz um pouco da história do funk no Brasil, que até 1989 era uma cópia da fórmula inventada pelo Miami Bass, estilo bem eletrônico que o hip hop adquiriu quando chegou na Flórida, Estados Unidos. O livro também conta que o primeiro sucesso de funk, produzido no Rio e cantado em português, foi "Melô da Mulher Feia" (lançado no LP Funk Brasil, em 1989).
Leia abaixo um trecho do ensaio sobre "Cidade de Deus".

C-I-D-A-D-E-D-E-D-E-U-S
"C-I-D-A-D-E-D-E-D-E-U-S" começa com o refrão, repetido inúmeras vezes no decorrer da canção, como que para marcar/ martelar sua mensagem no ouvido do tal doutor. O refrão já é internamente repetitivo, cantando duas vezes os mesmos versos(que são acompanhados pelo tamborzão, o que cria um ambiente sonoro mais carnavalesco do que nas outras partes da música): "C I D A D E D E D E U S [cantado soletrando]/ e vê se não esquece de Deus/ Cidade de Deus [sem soletrar] / C I D A D E D E D E U S [soletrando novamente]/ e vê se não esquece".

Depois do refrão, os cantores descrevem a imagem de quem mora na Cidade de Deus segundo o "doutor", o sangue bom, a mídia ou quem não mora por lá, mas já apresentando suas respostas para as acusações e, em troca, acusando a discriminação de ser uma forma de violência: "dizem que nós somos violentos/ mas desse jeito eu não agüento/ dizem que lá falta educação/ mas nós não somos burros não/ dizem que não temos competência/ mas isso sim que é violência".

E emenda com uma crítica feita ao funk: "que só sabemos fazer refrão". No próximo verso o discurso muda de tom, e a auto-imagem raivosa e resoluta (mas de alguma maneira e em alguns momentos submissa, pois é dirigida a quem socialmente tem o poder para decidir os destinos da favela) ganha destaque a partir de um "se liga sangue bom" (que significa: "preste atenção, meu ouvinte de fora" - ouvinte interpelado como "sangue-bom", que pode ser também sinônimo de "gente boa", mas aqui nitidamente de classe social superior).

Cidinho e Doca dizem então como é na realidade a CDD, e dão ordens para o destinatário da mensagem: "nós temos escola/ nós temos respeito/ se quer falar de nós, vê se fala direito". É então que reaparece o doutor, numa declaração de obediência à ordem vigente, em que a falta de "documentos" (sobretudo a carteirade trabalho) é usada pela polícia como desculpa para prisões arbitrárias dos pobres: "estou documentado, doutor/ cidadão brasileiro, e tenho o meu valor".

Quase toda a letra parece ser enunciada em nome de um coletivo (todos os moradores da CDD, ou de todos os funkeiros da CDD), mas em determinados momentos fica bem pessoal, como se fosse uma autobiografia: "é/ meu pai é pedreiro/ mamãe costureira/ e eu cantando rap pra massa funkeira" (repare bem: ele "canta" rap, não diz ou recita um rap). No próximo verso, volta o coletivo, como se não houvesse fronteira entre o eu e a comunidade: "o ritmo é quente, é alucinante / êta povo valente, êta povo gigante".

Volta o refrão e logo após, o "doutor" vai ser tratado com a intimidade do pronome "tu" conjugado em modo popular, comum em todas as periferias brasileiras: "mas se tu não sabe, eu te conto/ mas eu não sei se tu está pronto/ nem tudo que falam é verdade/ queremos paz, justiça, liberdade/ quando tiver um tempo sobrando/ se liga no que estou falando/ vai lá conhecer minha cidade". Está feito o convite, e é um convite bem realista. Cidinho e Doca não vão maquiar sua cidade para receber os convidados - eles prometem alegria e sofrimento, mas sem esconder o orgulho de morar em meio a esses contrastes: "tu vai se amarrar, vai se divertir/ depois que tu entrar não vai querer sair/ vai ver alegria, vai ver sofrimento/ não escondemos nada que temos lá dentro/ porque a comunidade tem fé".

Fé no funk

Ela começou fazendo solos na igreja, até que o primo DJ botou uma pilha e MC Sabrina virou cantora. E gosta de cantar o amor!

Sabrina tem 18 anos, mas já é mãe de família: casada, tem um filhinho de 4 meses. A menina sonha se dar bem no funk para ajudar a família e até hoje se aconselha com o pastor.Com o sorriso sempre do tamanho de sua simpatia, MC Sabrina faz sucesso e ganha espaço no movimento funk com canções que falam de amor. Aos 18 anos, a cantora, que já tem dois de carreira, hoje se divide como artista, mãe e donade-casa, e conta como começou na vida artística. “Eu fazia solos na igreja que freqüento. Mas um dia o DJ Júnior, que é meu primo, me convenceu a fazer um teste com uma versão de Sorte Grande, da Ivete Sangalo”, lembra a cantora, que hoje ainda se aconselha com o pastor de sua igreja.

Fã de Michael Jackson – de quem arrisca copiar alguns passos –, Mariah Carey, Beyoncé e de vários cantores evangélicos, Sabrina começou cantando músicas que falavam sobre a vida nas favelas, mas já direcionou sua carreira para canções mais românticas. “É o que curto cantar. E o mais legal é que até quem vai ao baile brigar acaba cantando junto e entrando no clima”, conta.

“Até quem vai ao baile pra brigar acaba entrando no clima das minhas músicas”

Sempre acompanhada pelo DJ Júnior, que compõe suas músicas e faz as montagens, a MC fez fama com Eu Solto a Minha Voz, mas Bondinho também está na boca da galera. Sabrina ainda participou de uma faixa do novo CD de um de seus ídolos, Buchecha. “A música se chama Implacável e fala de um cara que se arrependeu de não ter ficado com a menina. Foi o máximo gravar com ele”.

Entre os amigos famosos, MC Sabrina sempre divide palco com MC Frank, Mascote e Duda do Borel. Recentemente, se apresentou num clube em Santos, em São Paulo, e agitou a galera do litoral paulista. “Fiquei muito feliz de ver o pessoal sabendo cantar as músicas, participando mesmo”, conta.

Com todo apoio da família para seguir carreira, Sabrina sempre tem a companhia de Claudinho, seu marido, nos shows. “Deixou o meu filho Kauã, de quatro meses, com a minha mãe e vou trabalhar”, diz a cantora, que tem planos de ajudar toda a família. "Espero o mais breve possível poder comprar uma casa para minha mãe." A MC promete.

Revista Americana se assusta com Funk Carioca

Em entrevista recente, o historiador americano e brasilianista Thomas Skidmore afirmou que o Brasil não precisa mais de pensadores estrangeiros para explicá-lo. Talvez o momento seja propício ao movimento contrário: atualmente, os estrangeiros se beneficiariam bastante se procurassem separar o que é fato do que é mitificação na vida da Belíndia. Pelo menos, essa é a impressão deixada pelas sete páginas sobre bailes funk escritas pelo jornalista Kevin Heldman (em reportagem entitulada Nuthin' but a favela thing, ou seja, "Nada além de uma coisa da favela") para a edição de janeiro da revista americana Spin, que acaba de chegar às bancas.

Por algum motivo, o repórter visitou o Rio e só o que conseguiu ver foi violência. Ignorou solenemente a existência de bailes funk "normais", e, a bem da verdade, só foi a um clube, alegadamente em Nova Iguaçu. Na sua reportagem, sai da boca do DJ Marlboro, respeitado pioneiro dos bailes, a seguinte frase: "Ouvi dizer que uma vez, um dos produtores subiu ao palco e gritou: 'o primeiro que me trouxer o dente de um alemão (inimigo) leva este CD!'"

Da mesma forma, ao relatar as complicações com a justiça do produtor da Furacão 2000, Rômulo Costa (que foi encontrado pela polícia e preso na semana passada), o americano reproduz as acusações de tráfico de drogas e apologia ao crime enfrentadas pelo, segundo a matéria, "auto-intitulado padrinho preto do funk" ("the black godfather of funk"). Este, por sua vez, responde às acusações dizendo que os que o perseguem são "bichas" e "putas" ("faggots" and "bitches") querendo aparecer às suas custas. Mas cadê o funk?

Kevin colou num rapaz que é ex-chefe de galera (grupo de funkeiros que baila e briga unido), indo com ele ao baile e à favela e tendo um pouco da visão "das internas": pobreza, racismo e violência, é claro. Testemunhou o chamado Corredor da Morte - área que divide a pista de dança ao meio, onde quem cair apanha -, a dança da bundinha e o (ab)uso de álcool, maconha e cocaína. Aparentemente, ele não foi informado que, até aí, pouca diferença para danceterias da classe média da Zona Sul carioca, que não têm Corredor, mas têm brigas de pitboys e lutadores de jiu-jitsu, fartamente relatadas nos jornais - ou seja, a razão para a violência explodir no que deveria ser divertimento está longe de ser apenas socioeconômica.

Tapando o sol com a peneira

Ao tentar penetrar na vida da favela, escolhendo um personagem e seguindo seus passos, o repórter foi acachapado pela visão da agressividade, e o seu deslumbramento, infelizmente, impediu que a música fosse analisada. Ela é apenas levemente mencionada na explicação de que aquele funk vem do Miami Bass dos anos 80 - e é só. A impressão que fica, ao final das sete páginas, é a de que a música é coadjuvante nos bailes - há poucas especulações sobre o que dizem ou fazem os MCs que comandam as galeras.

É verdade que as letras são cruas, falam de inimigos e batalhas imaginárias entre grupos de bairros diferentes e de sexo sem romance. As músicas têm arranjos pobres e são mal produzidas, porém extremamente eficazes para enervar quem as escuta desavisadamente. O pouco de melodia que existe, usualmente nos vocais, é repetido como ladainhas, sem variar jamais. O batidão também não muda, e teclados quase de brinquedo completam o "arranjo" com sons agudos, preferencialmente metálicos. Mas há - e isso não é relatado na reportagem - quem trabalhe conscientemente sobre o estilo funk do Rio, incluindo percussão e sampler, letras espertas, embora esse ainda não seja o seu formato mais comum. Um exemplo do bom uso da estrutura deste tipo de canção é a premiada (e cada vez mais popular) faixa Us Mano As Mina, presente no disco Seja Como For, do rapper paulistano Xis.

Outras incongruências chamam a atenção na matéria da Spin: o repórter se encontrou com alguns rapazes numa tarde em dia de semana, e os garotos resolveram dar uma amostra de briga de baile ali mesmo. A foto está estampada na revista, como se documentasse a realidade. Realidade mesmo? Está para nascer o brasileiro que não se empolgue com uma câmera apontada em sua direção.