Ritmo musical convive com violência, permissividade e uso de drogas

Por que o funk vem sendo demonizado por centenas de ONGs? Para combatê-lo já surgiu até mesmo uma federação de ONGs anti-funk, a Fafec. Segundo esse amplo espectro de organizações não-governamentais, o Brasil musical, na era do funk, parece estar voltando à pré-história. Na sua definição, o funk produz um desprezível tipo de barulho que ignora os instrumentos musicais, apoiando-se apenas numa simples mesa de som, com seus botões de mixers. Enfim, na visão radical dessa federação de ONGs, o ruído produzido pelo funk seria uma barreira para a criatividade e uma agressão à sensibilidade humana. Na essência, uma pífia antimúsica que mereceria ser exterminada, conforme proclamam através de suas páginas na Internet.

Mas o libelo anti-funk vai muito além dos aspectos meramente musicais. A atual trajetória do ritmo importado das ruas de Nova York mostra seu verdadeiro papel no crescimento da criminalidade nas grandes cidades brasileiras. Com o funk, dizem vários pesquisadores da área social, o país vai coexistindo com a violência, a livre apologia do crime, a exaltação das máfias do pó e o mais abjeto aviltamento da mulher. No rastro do funk-maldade, também há uma enorme legião de jovens drogados, assassinados, adolescentes arrastadas para a gravidez precoce ou, simplesmente, cooptadas para o tráfico de entorpecentes. Já existe até mesmo uma banda, o Planet Hemp (maconha, em inglês), que faz uma aberta apologia do uso de drogas. O maior sucesso do grupo diz textualmente: "Lá só tinha maconha/ eu acho que o bagulho é que dá pé..."

A qualidade musical, que no passado era uma exigência das gravadoras tradicionais, no caso do funk já não é mais relevante. Para as multinacionais, que estão ganhando rios de dinheiro com o som nascido nas mesas de mixers, o que importa é faturar, ainda que através da pornografia presente nas mais repulsivas letras funkeiras. As mulheres, que antes eram exaltadas na música romântica brasileira, agora com os CDs do funk são incitadas a latir como cachorro ou chamadas a aceitar que "um tapinha no bumbum não dói".

Nascido nos Estados Unidos, em 1967, com o grupo Sly and The Family Stone, o funk ganhou força com o aparecimento das discotecas em Nova York, por volta de 1975. Elas passariam a tirar partido da movimentação corporal permitida pelo novo ritmo, atraindo com isso multidões de jovens. Era também uma espécie de malhação que prescindia das academias. Em 1978 surge o rap (rhythm and poetry), que, além da linguagem do corpo, o break dance, trazia o modismo das pichações e incorporava um vestuário não convencional: bermudões bizarros, tênis de basquete, camisas coloridas e o uso dos bonés com a aba para trás. Logo após surgiria o funk violento que defende o uso de drogas, ataca a polícia e a burguesia. Começa então uma longa trajetória de violência e assassinatos. Um aberrante contraste com o gospel, a música dos negros nas igrejas batistas norte-americanas, do qual descendia. Ou, bem antes, o ritmo dos negros escravos empregados nos campos de algodão do sul dos Estados Unidos.

Ao chegar ao Brasil, aportou nos subúrbios do Rio de Janeiro através de Tim Maia e Tony Tornado por volta de 1974, e logo passaria às favelas. Suas letras exaltavam a comunidade, mas ignoravam a pornografia e combatiam a violência. Uma delas dizia: "O nosso baile vai ficar mais divertido/ se pararmos com briga / e ficarmos mais unidos".

Poder político

Logo, porém, o funk iria conhecer um irreversível processo de degradação, nascido basicamente da tolerância e por vezes da conivência com que os governos tratavam o tráfico de drogas. Foi no tempo em que inúmeros traficantes, como Denis da Rocinha, no Rio, na condição de presidentes de morro, ganharam incomensurável poder político e se transformaram em importantes cabos eleitorais de governadores, deputados e prefeitos. A partir de então o crime, que em décadas anteriores era uma atividade escoteira, vai se organizar. Nasce o funk-bandido, que se torna quase sinônimo de drogas, assassinatos e chacinas. Mas esse contubérnio de alguns partidos políticos com os chamados chefes das favelas também teria graves conseqüências sobre o enorme incremento da corrupção policial. Governadores chegam a proibir através de decretos que a polícia suba nos morros. Então, a parte podre do efetivo policial sente-se liberada para participar de algum modo da espúria aliança. Passa a achacar as bocas-de-fumo ante a certeza da impunidade.

Com o virtual pacto político, que assegurava uma espécie de bill de indenidade aos criminosos, iria crescer o comércio das drogas, e conseqüentemente o poder financeiro do tráfico. Agora era possível levar aos morros e bairros populares uma desconhecida tecnologia eletrônica – sedutores estroboscópios, espetaculares mesas de som, poderosas caixas amplificadoras que desembarcavam dos Estados Unidos via contrabando. Era um novo chamariz para os bailes funk e o negócio das drogas. Um importante atrativo para as antigas bocas-de-fumo.

Com a vinda da nova tecnologia eletrônica destinada aos bailes também chega um moderníssimo arsenal: fuzis AR-15, metralhadoras, bazucas e até granadas, e vasta munição. Nessa mesma época, no final dos anos 70, também aconteceria o dumping da cocaína patrocinado pelo cartel de Medellín. No Brasil, o pó passava a ser vendido a preços inferiores aos da maconha. Com os lucros do negócio avançando rapidamente, também cresceu a competição entre as quadrilhas. Estava deflagrada a guerra entre as bocas-de-fumo e os comandos. Só no Rio, na última década o conflito já produziu cerca de 50 mil homicídios.

Seria através dos bailes, divulgados por rádios FM e canais de TV em busca de fácil audiência, que mais e mais jovens encontrariam as bocas-de-fumo. Em tais festas, a venda da cocaína representaria um faturamento de R$ 40 mil nos finais de semana. É o dinheiro que financia os sistemas de som que chegam a cobrar de R$ 3 mil a R$ 5 mil por baile. Alguns deles têm nomes significativos. Um dos mais populares é o Bagulhão (grande maconha). Atualmente funcionam nas 700 favelas cariocas umas 200 bocas-de-fumo que realizam festas funk. Ao lado dos clubes e do Canecão são cerca de 1,5 mil bailes, só no Rio. Com isso, o funk poderia assegurar uma receita total em torno de R$ 30 milhões mensais só para os sistemas de som, que não inclui a venda de discos ou os lucros milionários das gravadoras.

O Bagulhão chegou a ganhar seis discos de ouro e dois de platina, o que significa mais de 1 milhão de CDs vendidos. Outros R$ 60 milhões poderiam ser faturados com a venda de drogas durante os bailes, o verdadeiro chamariz do negócio. É o que calcula a Delegacia de Repressão a Entorpecentes do Rio.

Boa parte do recrutamento de jovens para a guerra das drogas se processa durante os bailes funk. Neles nasceram as galeras, espécie de tropa de choque integrada por soldados, olheiros, gerentes, etc., bem remunerados pelos traficantes. O funk também iria permitir que os DJs – animadores dos bailes – encontrassem na rivalidade entre as galeras um poderoso instrumento para tornar a dança ainda mais violenta e delirante.

Quanto mais droga melhor o funk, insinuam os DJs. E a matéria-prima de que os traficantes necessitam para atrair novos recrutas e prepará-los para a guerra. Os jovens são chamados a lutar furiosamente entre si, dividindo-se a quadra em territórios inimigos. Dos bailes, as galeras rivais saltam para a via pública. Invadem bairros e praias. Chegam a aterrorizar Copacabana com violentíssimos arrastões ou protagonizar boa parte das chacinas que acontecem na periferia de São Paulo.

A ousadia dos DJs, geralmente proprietários dos sistemas de som, não encontra limites. As meninas são convocadas a entrar na onda do strip-tease. No início, o barato é o topless. Protegidas por seguranças, elas sobem nuas ao palco. Uma nova atração para o funk, e um completo vale-tudo sexual. Muitas delas, com 13 ou 14 anos de idade, também se tornam amantes dos mais brutais donos dos morros. Como juiz de menores não sobe ao morro, metade da assistência funk é de crianças e adolescentes. Boa parte deles compõem as quadrilhas. São os "de menor", que portam pistolas ou carregam metralhadoras a serviço do tráfico de drogas e com o bill de indenidade do Estatuto da Criança e do Adolescente.

Sem censura

Sistemas de som que difundem o funk, como o Furacão 2000, chegam a receber uma parte substancial dos lucros do negócio das drogas. É com esse dinheiro que passam a controlar programas domingueiros em determinadas redes nacionais de televisão. Rômulo Costa, proprietário do Furacão, foi preso pela primeira vez em 1999. Processado pelo 38º Distrito Policial do Rio e com prisão decretada, ficou foragido algum tempo. Localizado em Búzios, por ser primário obteve habeas corpus depois de quase um mês de cadeia. Inaugurou em seguida um programa de duas horas na televisão. Como não há censura para a TV, essa mídia é atualmente o instrumento de difusão do funk-bandido, e conseqüentemente do crime e das drogas. Aliás, foi a glorificação do bandido homicida, a apologia das drogas e o aviltamento da mulher que levaram o "Jornal do Brasil" a denunciar em editorial o verdadeiro caráter do funk: "Um festival de violência que espalha mais terror que alegria, uma dança macabra".

E, para cúmulo dos cúmulos, outro canal exibiu várias vezes um clipe do Facção Central, em que aparece um grupo de assaltantes estuprando e matando uma mulher na frente do marido. A letra do funk, mostrado em horário nobre, era bastante explícita: "Vou furtar seus bens/ e ficar bem louco (com o pó)/ se eu quero roupa e comida, alguém tem que sangrar/ vou enquadrar uma burguesa/ e atirar para matar..."

Para alguns sociólogos marxistas o funk tem certo sentido de luta pela libertação dos jovens mais pobres. Karl Marx é invocado para defender a idéia de que o funk tornaria o adolescente da periferia consciente de sua existência individual e social. Tal retórica é o pretexto para que determinados setores justifiquem a difusão de funks como um do letrista MV Bill, cuja letra diz, em sua parte publicável: "Eu tenho uma 9 e uma HK/ Com ódio na veia pronto para atirar/ Na vida que eu levo não posso brincar/ Eu carrego uma 9 e uma HK/ tem mais um pente lotado no meu bolso / só roupa à pampa que eu posso comprar/ tem um monte de cachorra (garota) querendo me dar/ a moda aqui é ser mulher de bandido..." Por tudo isso o funk parece mesmo uma dança macabra.

Planeta Funk

Planeta Funk: DJ Marlboro tocando de NY à Polônia; rede de TV das arábias interessada em documentário de funk carioca; hit do verão europeu chupado Deize Tigrona... O mundo tá de quatro pelo funk carioca!


Deu no “New York Times” que o funk carioca tá na moda. Também rolaram matérias nos jornais ingleses “The Times” e “The Independent”. A mídia especializada em música e comportamento foi ainda mais fundo no assunto – das americanas de enfoque underground, como “XLR8R”, “Blender” (revistas) e Earplug (online), até a Radio 1, emissora da comportada rede inglesa BBC.

A recente moda de funk não se restringe ao mundo ocidental, onde gringos costumam se engraçar por novidades vindas dos trópicos, sobretudo durante o verão (deles, que vai de junho a agosto). Até a Al Jazirah, do Quatar, rede de TV que Bin Laden usa pra mandar seus recadinhos, entrou na dança. A emissora revelou grande interesse pela compra do documentário “Sou Feia, Mas Tô Na Moda”, da videomaker brasileira Denise Garcia. Funk até nas Arábias? Demorô, já é!

funk
O crescente interesse pelo filme, que retrata o cotidiano dos funkeiros e, em especial, das funkeiras, mostra que não é só a música, mas o universo dos bailes que atrai a atenção. “Canadá, Dinamarca, EUA, Polônia, Suíça, por aí vai”, enumera a diretora, referindo-se aos paí-ses que a abordaram sobre o documentário, que em inglês ganhou a fofa tradução “I’m Ugly But Trendy”.

“Eu acho que o interesse é porque se trata de uma música cheia de energia, vinda de um lugar onde não há motivo aparente para comemorar porra nenhuma. Junte a batida pesada com a vivacidade de um pessoal que sobrevive à base de nada, mulheres falando abertamente sobre sexo, uma classe média falida tentando reprimir sem conseguir e temos o processo que estamos vendo agora”, resume, muito perspicazmente, a videomaker.

Quer mais? “Bucky Done Gun”, um funk carioca cantado em inglês, tem tudo pra terminar a temporada de festivais no Hemisfério Norte como um dos hinos do verão. A música, incluída no CD de estréia da cantora inglesa M.I.A., é plágio de “Injeção”, hit de 2003 da funkeira Deize Tigrona. O DJ Marlboro, maior embai-xador do funk carioca dentro e fora do Brasil, acaba de finalizar dois remixes pra “Bucky Gun Done”, a pedido da própria M.I.A. O single será lançado pelo selo inglês XL Recordings. Não bastante, Marlboro se apresentou duas noites no começo de junho com a dupla M.I.A. e seu namorado, Diplo, no S.O.B’s, de Nova York. Os ingressos evaporaram duas semanas antes dos shows. Se restava alguma dúvida de que o funk tá na moda, ela acaba de acabar, né?

O caminho do funk
Dos morros cariocas para o mundo, o funk começou a chegar aos ouvidos da gringaiada há pouco mais de um ano e meio. Primeiro através de fatos isolados, como o co-mercial do jeep Nissan feito pra TV alemã, em 2003. A trilha era um funkão de arrebentar, criado pelo trio Tejo, Black Alien e Speed. De tão boa, a música levou prêmios internacionais e ganhou vida longe da TV. Virou single prensado em vinil, foi tocada em tudo que é pista da Europa e até Fatboy Slim fez remix pra música, que nasceu com o título de “Quem Que Cagüetou”, mas ficou famosa no planeta como “Follow Me, Follow Me”. O antenado jornalista inglês Alex Bellos botou foto dos neofunkeiros Tejo, Black Alien e Speed na capa do “The Guardian” e usou o sucesso da música como gancho pra emplacar uma longa matéria sobre os bailes funk do Rio. O título do artigo anteviu a febre atual: “Samba é coisa do passado”. A data? 11 de março de 2004.

Nos EUA, o crítico Sasha Frere-Jones, do “New Yorker”, reparou que uma cascata de matérias sobre funk carioca começou a aparecer na mídia do país uns 18 meses atrás. “Foi nesta época que notei os primeiros DJ sets com faixas de funk nos EUA”, lembra Frere-Jones, um fanático pelo gênero desde 2001, quando ganhou o primeiro CD de um amigo.

E Funk ou Funkstein?

O funk da periferia parece ter conquistado, definitivamente, os corações e mentes da juventude brasileira.

Podemos acompanhar a evolução deste ritmo pelos horários televisivos mais obscuros (comprados pelos próprios promotores deste movimento), em rádios e até mesmo nos periódicos mais elitistas.

Inicialmente encardo como uma manifestação espontânea e divertida, o funk nacional foi absorvido culturalmente por todas as camadas da população. Nenhum brasileiro, hoje, desconhece ao menos uma de suas espirituosas frases.

Alguns temas são recorrentes a este peculiar gênero musical. A sexualidade e a fraternidade são exaltadas constantemente,na maioria das vezes até de forma gratuita. O que poderia ser uma forma saudável de expressão popular vem se degradando em nome da exploração mercantilista e das mais baixas aspirações humanas.

Há quem argumente que o funk possuí um incontestável valor artístico por retratar a realidade da sociedade que o gerou. Entretanto, mesmo que esta linha de raciocínio seja aceitável cabe a seguinte questão: Se a arte é a mera reprodução da realidade, que valor ela teria desta forma?

A arte, por definição, é a extrapolação da realidade com a finalidade de transmitir uma idéia, promover valores e estimular a reflexão dentro de uma sociedade. Com seu vocabulário tosco e vulgar o funk empobrece e nivela por baixo o combalido cenário cultural do país.

Com a repetição de lugares comuns, trocadilhos, chamados às comunidades e outros recursos limitados, esta música se tornou uma verdadeira ferramenta de lavagem cultural, promovendo a destruição gramatical de nossa língua, a disseminação do conformismo e incentivando desvios de conduta. O Ministério da Verdade, como criado por Orwell, chega até a soar ingênuo.

O movimento funk, como tem sido divulgado pela mídia, promove uma política de pão e circo decadente. Sua única função é servir como uma fuga para um povo marginalizado e segregado. Seu sucesso só contribui para um círculo vicioso de escapismo e alienação. Mas mesmo num cenário tão apocalíptico encontramos alguma esperança. Entre centenas de "proibidões", "melôs" e "bondes" surgem verdadeiros artistas.

Livros como "Cidade de Deus" e "Zona Norte", bandas como O Rappa e Racionais retratam a realidade deste povo sob a visão peculiar de seus autores. Eles trazem sua mensagem e a esperança de que as coisas podem mudar, ainda que para as novas gerações.

Esse indivíduo violento chamado ser humano.

Existe uma crescente onda de violência explícita e gratuita entre os seres humanos, sejam eles de qualquer classe social, que vivem no Brasil ou em qualquer parte do planeta. Esqueçamos o que muitos sociólogos e antropólogos do passado comparavam a pobreza, miséria e ignorância como sendo um produto das classes menos favorecidas. Estamos falando aqui, da violência que um indivíduo pode proporcionar ao outro e aí entramos na questão do individual e não de classes sociais. Isto é o que esse singelo artigo vai alertar.

Estamos nos acostumando cada vez mais com a violência que é praticada nos grandes centros urbanos. Tanto que assistimos a filmes e seriados de TV que retratam essa realidade e já não estamos mais nos assustando com isso. Pelo contrário, virou uma diversão com direito a poltrona e pipoca e bilheterias milionárias. Com exceção do dia em que fui ver o filme Cidade de Deus, onde uma mulher de classe média cochichou para a outra que “o filme é muito violento, a realidade não é desse jeito”. Quer dizer, ela achou o filme uma pura ficção, totalmente fora, da realidade em que ela vivia. Fora esse caso, creio que já estamos nos acostumando com essa realidade, retratada em filmes como Cidade de Deus, Carandiru e o seriados como Cidade dos Homens e Turma do Gueto.

Não estou aqui desmerecendo essas produções que, pelo contrário, são muito bem produzidas e tem até um caráter social de passar algum tipo de mensagem para a população. Porém a mídia está se aproveitando desse momento, dessa espetacularização da miséria e da violência, ganhando dinheiro a torto por aí. Como se já não bastasse os diversos programas de ridicularização da pobreza como Ratinho, Hora da Verdade, Brasil Urgente, Cidade Alerta e muitos outros que nem vale a pena comentar.

O que está acontecendo é justamente a “normalização da violência”.

É “normal” jovens e crianças assaltando em faróis da cidade. É “normal” cada vez mais jovens morrendo cada vez mais cedo por causa do tráfico de drogas. É “normal” assistirmos lutas de gangues em bailes funk. É “normal” vermos mendigos e miseráveis nas ruas de São Paulo. É “normal” o desemprego mundial porque faz parte do capitalismo. É “normal” existir ricos e pobres.

Ao contrário do que muita gente imagina alguns casos de violência entre os jovens nem sempre são exclusivamente de classes pobres. Também percebemos que a cada dia surgem casos e mais casos de pessoas moradoras de bairros nobres e com uma vida privilegiada, porém também costumam aparecer nas manchetes de jornais.

Podemos observar isso em certos grupos de jovens de classe média, que geralmente nunca andam sozinhos, são anabolizados e andam quase sempre com algum cachorro pitbull ou rotweiller ao seu lado para mostrar a sua virilidade. A única busca pelo prazer desses jovens é ir de encontro a outros grupos com o intuito de simplesmente entrar em alguma confusão, seja na porta de bares, danceterias, academias ou mesmo próximos às escolas. Apelidados geralmente de pitbulls ou bad boys, esses rapazes, em forma de gangues, buscam incessantemente uma boa briga para colocar seus dotes físicos e marciais à mostra para a sociedade. Da mesma maneira que existem gangues em periferias, também há formação de gangues em grupos que simplesmente levam uma vida financeira que não podem reclamar. É “normal” a formação desses grupos nos dias de hoje.

Atualmente, não são apenas os jovens da periferia que são associados à violência social-urbana. A burguesia também participa dessa violência explícita, muitas vezes sem nenhum motivo aparente ou mesmo por motivos banais. Logicamente existem boas razões como dinheiro para drogas ou mesmo por problemas familiares que mexem com o psicológico desses jovens. Mas uma coisa é certa, seus crimes são tão hediondos quanto os dos menos favorecidos. Isso está ficando uma coisa “normal”.

Veja os casos como os rapazes de Brasília que atearam fogo em um índio. Também já foi notificado em outros estados casos parecidos, porém ateando fogo em mendigos. Jovens que matam familiares por causa de drogas. Jovens que matam por um amor doentio não correspondido. Jovens que matam ou se suicidam, pasmem, porque não passarem no vestibular. Jovens que espancam seus pais e avós por motivos insignificantes. Jovens que entram em um cinema, em uma escola e saem atirando pra todo lado como se fosse um jogo de Counter Strike ou Doom.

E, como podemos acompanhar em diversos artigos e noticiários, esse não é um problema exclusivamente nacional e sim mundial. Porém o que geralmente é divulgado na mídia, é o assassinato de jovens de classe média alta em nossa sociedade. A mídia faz estardalhaço quando esses jovens morrem brutalmente, mas se esquecem que, diariamente, jovens da periferia são mortos também. O que dá mais Ibope e maior repercussão nacional? O que choca mais a população, rendendo semanas seguidas de noticiários? A morte de jovens de classe mais favorecida muitas vezes rende várias passeatas e manifestações a favor da paz, e, contraditoriamente, por outro lado, também rende mais e mais adeptos do não-desarmamento da população. Alegam que armas são para se defenderem desses criminosos. Ou seja, é a violência gerando cada vez mais violência.

E estou falando de jovens em qualquer parte do mundo independente de sua classe social. Há toda uma cultura da violência em escala mundial que simplesmente não está relacionada somente à pobreza, ao preconceito racial, a problemas familiares, ao desemprego. Eu, como um cientista social, é difícil afirmar, mas os problemas sociais apesar de tudo estão se tornando problemas individuais. O social está dando lugar ao individual.

Estamos assistindo a uma verdadeira individualização do ser humano em escala mundial. A humanidade está ficando mais individualista, mais grosseira, menos civilizada. Cada qual procurando cuidar do seu umbigo. Esse é o legado do capitalismo, cuidar de si próprio pra depois tentar se preocupar com os outros. Enriqueçam primeiro e depois, talvez, sobre algum dinheirinho para ajudar os pobres, seja na forma de doações em campanhas milionárias televisivas, seja em caridades para Ongs e entidades filantrópicas.

Apesar dessa propensão do ser humano a fazer caridades eventualmente, as pessoas estão cada vez mais com medo. Medo de perder o emprego, medo de serem assaltadas. Medo de perder a mulher ou marido. Medo da vida, medo da morte. Esse medo gera insegurança, essa insegurança gera uma maior individualidade. Essa individualidade gera a competição.

Assim, o nosso colega de trabalho é nosso inimigo, o nosso vizinho é nosso inimigo. Todos lutam contra todos e quem for o melhor vence. Só os mais fortes sobrevivem nesse darwinismo social.

Essa competição é também comumente travada em grandes e pequenas empresas onde impera a individualização exarcebada. Não existe espaço para todos prosperarem como é vendida a imagem de um sistema democrático (para todos) no sistema capitalista. Portanto somente alguns sobrevivem, restando aos demais o emprego informal, o desemprego e mais tarde a miséria propriamente dita. Esse é o tipo de violência mais visto hoje em dia, porém tratado de uma maneira adocicada e mascarada pela mídia e grandes corporações. É “normal” alguém ficar sem emprego no sistema capitalista. Se você não consegue algum tipo de trabalho é sinal que você é um incompetente e não está preparado para o mercado de trabalho. Você é um perdedor.

Assim, a violência pode ser expressa de várias maneiras. Seja ela física, urbana, doméstica, psicológica, política ou social. Mas uma coisa é certa, a violência está crescendo de tal maneira em todas suas denominações tornando-se um fator comum, virando um caso de normalidade em nosso cotidiano. A violência tornou-se comum, banal.

Nós, seres humanos, tornando-nos mais e mais individualistas perdemos nossa noção de sensibilidade quando deparamos com a violência veiculada nos jornais e tevês. A tragédia já não nos choca tanto. Um crime se torna banalidade do dia a dia. A guerra vira apenas uma mera contagem estatística de mortos e feridos. Uma simples cena de amor numa novela nos faz chorar muito mais que centenas de mortos todos os dias nos noticiários.

Esse individualismo exagerado gera medo entre as pessoas. Esse medo faz com que elas se tranquem em seus condomínios, em seus bairros, em suas casas.

A tecnologia nesse caso, auxilia essas pessoas a se trancarem em seus domicílios, através da internet, celular, TV a cabo, videogames e computadores. O indivíduo, ao invés de gerar as relações sociais pessoalmente, como vem sendo feito há séculos, ele dispõe de tecnologias no qual ele possa fazer essa sociabilização a partir de sua própria residência. Ele se distancia e ao mesmo tempo quer interagir com os outros, porém, o medo e a insegurança que são geradas pela violência, o impedem de viver em sociedade nos moldes antigos.

Assim, esses indivíduos que geram violência, colaboram explicitamente para a própria reclusão do ser humano, tornando uma sociedade individualista e receosa de sua própria humanidade.

Funk - Lavagem cerebral em uma democracia!

José não era tão velho assim, mas curtia músicas do estilo “MPB de qualidade”, como se orgulhava de dizer, próprias de uma geração antes da sua, porque aprendeu a gostar desse estilo com os irmãos mais velhos, universitários, que já se foram. Além disso, não surgiu uma MPB nova de qualidade para substituí-la. Ou pelo menos, se surgiu está escondida nos guetos universitários e burgueses, longe do grande público ou dos rádios. José também gostava de uns “Rocks internacionais antigos”, não para se “americanizar”, mas porque os anos 60 trouxeram realmente uma onda inovadora e balística que predominou neste estilo de música. José relutou em aderir à onda dos CDs e resistiu o quanto pode com os discos de vinil, até que se rendeu ao som puro e à praticidade dos CDs. Mas não abandonou sua velha vitrola. José gostava de dizer: “Posso até passar para os discos modernos, aderir a Internet, adaptar um pouco as minhas roupas, mas nunca, nunca irão conseguir me massificar! Nunca irão conseguir me fazer gostar da Egüinha Pocotó! Sempre serei eu mesmo. Independente e original.


Chega o carnaval. Após uma semana inteira de trabalho, José vai para um clube, se refrescar um pouco em uma piscina e relaxar, já que teria que trabalhar no show carnavalesco. No clube, os alto-falantes tocavam sem parar o CD do MC Serginho. José vê com tristeza algumas meninas de uns oito anos de idade, dançarem dentro da piscina ao som de uma música do tal MC, que falava umas obscenidades, citando abertamente códigos eróticos que surpreendiam José, apesar dos seus trinta e poucos anos de vida. De volta para casa, no som do carro, mais Pocotó, através das rádios da região. Em casa, enquanto se preparava para o trabalho, as redes de TV cobriam o carnaval, alternando as músicas do Serginho com o decadente Axé Music. Mas, no trabalho, no carnaval, é que José passaria por sua grande “provação”: em pé no meio da multidão, em atitude de alerta, José era massacrado horas e horas pelo som da “Egüinha” e pior, agora executado por uma banda semi-amadora, imitadora do “ídolo”. Na multidão que delirava, movida pelos acordes daquela música horrível, José se sentiu extremamente só. Ele pensou consigo mesmo que aquele som da Eguinha Pocotó era algo inumano. Era muito mais gritada do que cantada propriamente. Era algo intragável, agressivo, muito longe do se poderia classificar como música. Mas, tudo acabou e chegou a hora de descansar. Enfim, livre do Pocotó. Porém, José se esqueceu de que o carnaval agora era perto de sua casa e da cama lhe chegavam as ondas sonoras de algo que sobrou do Carnaval, que por sinal era mais Pocotó. Mas, uma surpresa: José começava a gostar da coisa. Na cama, impedido de dormir, ele começava a cantarolar alguns refrões, já tão familiarizado com a melodia.

No dia seguinte tudo estava consumado. José descobriu: Ele amava o pseudo-funk e a música Egüinha Pocotó. Cedinho ele foi até a loja de discos mais próxima, levando seus velhos discos de MPB e Rock antigo para trocar pelos CDs de Serginho e Kelly Key. Ele agora entendia tudo: um novo mundo se abria a seus pés, teria sucesso profissional, mais amigos e garotas, ele finalmente seria aceito no clube, no grande clube da Uniformização. Tudo estava consumado. Algum “Engenheiro Social” da América do Norte, de terno fino, em um grande edifício, riscava, exultante, mais um nome em uma longa lista. Porém, quem reparasse bem em José andando na rua, no meio da multidão veria que José não era mais ele mesmo. Tinha um rosto com expressão vazia, robótica.

Este artigo eu queria ter escrito pouco tempo depois do carnaval, mas depois veio a Guerra do Iraque e voltei minhas atenções para o conflito. Parece-me que o objeto da estória já perdeu um pouco da atualidade, tamanha a velocidade com que mudam os modismos da Indústria Cultural. Eu acho que quase já não estou ouvindo mais o MC Serginho e seus “Hits” como Egüinha Pocotó e a pérola “Mesa”, o que atesta o caráter descartável dessa cultura. Aliás, a coisa é tão passageira que eu já havia escrito uma crônica semelhante antes com o “Bonde do Tigrão”, que não deu para publicar na época e pouco tempo depois quando a oportunidade de publicar o assunto reapareceu, tive que adaptar como exemplo a “Egüinha Pocotó”, porque o bonde já havia ficado para trás. Bem mas vamos ao texto, pois afinal, embora mudem-se os rótulos, a fórmula é a mesma.